sexta-feira, 11 de julho de 2008

PÁTIO ANDALUZ
















Fotografia de Redi


PÁTIO ANDALUZ

Inaugura o aroma dos damascos,
o murmúrio do vento nas roseiras
o sono dos jasmins na paz da sesta
os mosaicos do pátio em preto e branco.

Vê que o tempo não rompa com seu passo
os enredos sutis das trepadeiras
para que não se escapem essas lendas
esculpidas nos muros empedrados.

Cuida que o sol dançando nas ramadas
cintile no arabesco da nascente
e no insensato verde da folhagem.

Celebra o sortilégio, o som da água:
minha alma tem encontro com teu duende
nalgum pátio andaluz às três da tarde.






















Henri Matisse


LUA

Meus lábios que não te chamam
são selados em segredo,
não posso dizer teu nome
pois a lua está em zelos,
seus olhos de prata em ânsias
por ver teu corpo, moreno.

Com uma rosa nos dentes,
ai, mouro, estou te mordendo.


Meu corpo que te reclama
na noite estende o seu leito
e te esperam meus fascínios
nos velhos umbrais do tempo,
ansiando pelo teu corpo
que sabe a menta e deserto.

Com uma rosa na orelha
te escuto no som do vento.

Quando a lua me descubra
a enredar-te em meus bruxedos
e pôr-me em pontas de pés
para beijar teus cabelos...
Ai, que se ponha encarnada!
Ai, que morra de desejo!

Com uma rosa no ventre
minhas cadeiras maneio.
















Henri Matisse


TAÇA

Me enfeitei com madressilvas
para esperar-te, moreno,
modelei minha cintura
ao círculo dos teus dedos.
Enquanto isso sonhava
com tua pele de pêssego.

Trazes prazeres guardados
entre os gemidos do vento.

Úmida de inquietas pressas
minha boca não tem pejo,
língua de ave embriagada
busca em voraz esbracejo
onde caibam os meus lábios
nos espaços do teu peito.

A noite, lençol de seda
onde se deita o silêncio.


Tuas mãos são peregrinos
que recorrem meus trajetos;
com dentes de leão faminto
minha carne vais mordendo
e o manancial do teu corpo
enche a taça do desejo.

Com a vassoura da aurora
as nuvens varrem o tempo.




















Henri Matisse


SOMBRA

Minha sombra beija a tua
com boca de vinho espesso
enquanto esperam meus lábios
a mordida do teu beijo:
que deixe um travo de sangue
no caudal do meu desvelo.

Nas pregas da tua sombra
estão passeando os meus dedos.

Minha sombra no teu ombro
traça as linhas de um esteiro
para que não te extravies
quando busques o meu peito.
Te esperam meus impudores
pelas esquinas do vento.

Entre as mãos da tua sombra
estão pulsando os meus seios.

Minha sombra deixa marcas
com a língua do veneno
do teu pescoço ao teu ventre
num rio de gozo e segredo.
No mar da minha saliva
singra o teu corpo, moreno.

Nas ondas da tua sombra
estão dormindo os meus medos.



















Henri Matisse


MOURA, TORNEI-ME MOURISCA

Moura, tornei-me mourisca,
enteada de um deus alheio
e me dizem que é pecado
querer tanto como quero
a quem sustenta o Crescente
com punhos de sarraceno.

Enlaçando as oliveiras
nos teus braços estremeço.

Só o teu corpo é sagrado
no igreja dos meus lamentos;
a oração da minha língua
ardendo em mel e veneno
te reza de cima abaixo,
te queima como um inferno.

Colhendo cachos de uvas
nos teus sonhos eu desperto.

Os jasmins na minha horta
se balançam num maneio
quando o teu potro de ânsias
cavalga sobre os meus ermos
e os gemidos do meu sangue
quebram a face do espelho.

O Genil nasce em teus olhos
e no teu rio eu navego.






















Henri Matisse


PÁTIO

Furtiva venho ao teu pátio
na ausência do cavaleiro
que vai pelo Mulhacén
como um pária bandoleiro
por não ceder suas crenças
a um rei e a um deus estrangeiros.

Posso sentir teu aroma
de tigre acossado e fero.

Para não deixar pegadas
no teu pátio de arabescos
venho descalça e pequena
enroupada em meus segredos
e até os gerânios se assustam
quando neles te rastreio.

Têm o cheiro do teu suor
as flores do limoeiro.

Se me encontras semearás
com o teu brio sarraceno
no meu ventre um filho mouro
que me matará de medo
quando seguir os teus passos
de nômade e de guerreiro.

Ai, se não fosse mourisca!
Ai, se te quisesse menos!























Henri Matisse


SONHO

Da minha túnica branca
a noite fez um veleiro
destapando os meus quadris
revelando os meus segredos;
me despojou de vestidos
o aroma do limoeiro.

Resvalavam como peixes
teus olhos sobre os meus seios.

- Habibi a’oyonak maa’aya.
(escutava num arpejo
tua voz nos meus ouvidos).
Não me tocavam teus dedos
e ainda assim me estremecia
ao sopro do teu alento.

Deslizava no meu corpo
o caudal do teu desejo.

- Habibi, a’oyonak kifaya
Murmuravas em segredo
Eu te respondia em sonhos:
- Habibati és meu eleito.
A noite se desvelava
repetindo os nossos ecos.

Um milagre se escondia
no meu pátio de silêncios.
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Habibi: meu amor (o homem referindo-se à mulher)
habibi a’oyonak maa’aya: meus olhos estão contigo
habibi, a’oyonak kifaya: meu amor, isto me basta
habibati: meu amor (a mulher referindo-se ao homem)
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Henri Matisse


UMBRAL

Não atravesses o umbral:
deste lado está o inferno
onde te danço descalça
sobre a ânsia dos meus lenhos,
em chamas vivas que lambem
e abrasam quando te penso.

Desde a tua mão à minha
a noite estende o seu lenço.

Não transpasses esses vidros
porque sangrarão meus medos
se as tuas mãos feiticeiras
destroçam meus amuletos.
Desliza em mim teu olhar
desde o saguão do desterro.

Da tua boca até à minha
um pássaro voou perto.

Modela-me nesse instante
quando em teu olhar me vejo
para que more em teus olhos
assim como encantamento,
como a asa de uma pomba
presa nas cordas do tempo.

Entre o teu rio e os meus sulcos
dois abismos e um espelho.

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Foto de Granada desde o Albaicín, com vista do
Palácio da Alhambra e a Sierra Nevada

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